segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O labirinto do sátiro


O horizonte era de uma beleza estonteante. Longe de tudo e de todos ele vivia. Poderia se chamar de fazenda ou de outra dimensão ou de coisa nenhuma, mas não há uma pessoa sequer que não quereria estar naquele belo lugar. Parece que o Sol respeitava a beleza daquelas terras e não ousava incindir claro demais. Assim como, durante a noite, as estrelas brilhavam como fogos de artifício, como se todas elas estivessem ainda vivas, e não fossem uma ilusão.
Na verdade, ao chegar lá, ela se sentiu em casa como não se sentia há tanto tempo que pensou em ficar. Mesmo sem saber se poderia, mesmo sem saber se deveria, ela realmente quis ficar. Não que tenha sido bem recebida por ele, nem mal recebida: seu olhar era vazio, distante, não notava a sua presença. Era um olhar quase sem emoção. Diferente da guardiã da casa que pousava seus olhos tristes sobre ela num misto de esperança e compaixão. Tinha medo, medo de que ela, ao ver cair o pôr do sol fugisse e estaria a guardiã sozinha com ele.
Não que ela não o amasse. Ela o amava com o mais sublime que só as mães castas, com um certo grau de neurose e desprendimento da vida poderiam amar. Mas era tudo tão solitário e as horas que ela passava conversando com ele eram horas que se arrastavam, sempre beirando o fim do dia, quando tudo iria acontecer novamente e ela choraria em silêncio aguardando um novo amanhecer passar e com ele toda a dor, toda a dor de todos os dias.
Elas só puderam conversar quando ele finalmente pegou no sono. Uma conversa de poucas palavras, uma conversa de almas, trocando pus entre as feridas. Nada do que foi dito pode ser lembrado, porque logo a noite veio e nada do que pudesse ter sido dito a prepararia para aquela noite.
Era quase secreto seu desejo por ele, ainda que já tivesse gritado aos quatro ventos, era velado, era negado, era forte e avassalador e atravessava aqueles olhos vazios, perdidos e animalescos. Aqueles olhos sem emoção, aquela pele de viço quase pegajoso, quase seca demais. Sempre esteve claro que algo não era humano.
Deitou-se ao seu lado no chão, sem ousar de fato tocá-lo. Tocava-o levemente, mais com sua mente do que com seu corpo. Ele estava notavelmente incomodado com a sua presença, mesmo dormindo. Ela se incomodava em incomodar, mas não estar ali seria de um incomodo muito maior. Fechava os olhos e vislumbrava o horizonte infinito, a vista que teria a poucos metros, do lado de fora da casa. Com esta vista lhe vinha toda a angústia e a solidão de quem esteve preso a este lugar ao longo de uma vida. E uma vida que não se contava em anos, mas em dias e noites e ciclos.
Quando abriu os olhos ela se viu tão profundamente refletida em sua alma que se perdeu e não saberia mais o significado do tempo, não fosse o fato que a noite estava chegando e ele levantou de sobressalto. A guardiã da casa chamava por ela, tentando levá-la a um cômodo cada vez mais distante, passando por portas e mais portas que eram fechadas atrás dela, travadas em fechadoras exóticas de chumbo. Todas elas eram iguais, portas pesadas, com um visor transparente, como uma pequena janelinha. O ângulo das portas fazia com que fosse possível ver, de um lado da casa o que acontecia no outro. Ao mesmo tempo, os cômodos eram dispostos de tal maneira que você jamais poderia conseguir voltar de onde veio e era difícil de saber onde começava e onde terminava a casa. Mas ela sabia, ele estava na cozinha.
Tomada pela ansiedade e pelo desejo ela se desvencilhou da guardiã, de forma decidida e delicada. Foi mais fácil do que poderia-se imaginar, porque a essa altura a guardiã derramava lágrimas, que eram lágrimas que procuravam cumplicidade e procuravam abrir a ela seu mundo.
Correndo em círculos, como numa espiral fundante, chegou até uma longa janela de algum cômodo sem função, onde era possível ver a cozinha toda, de forma muito clara. Principalmente porque parecia emanar das paredes uma luz sem cor, nem fraca nem forte, mas que iluminava perfeitamente bem, dando espaço para a expressão legítima de cada uma das cores e texturas do sofrimento dele. Enquanto de seus olhos caiam secas lágrimas quentes demais para escorrerem, rasgava sua camisa azul, não em desespero, nem em raiva, mas como um ritual. Paralisada, observando, logo ela pode perceber porque rasgava as roupas quando começou, com o mesmo desapego, mas muito mais dor, a rasgar sua fronte. Do vão entre uma parte e outra da pele não saiu sangue, mas seus ossos começaram uma estranha transformação, tornando-se chifres, pequenos, redondos. Absolutamente doloridos, era claro. E todo seu corpo se moldou para aceitar aquela mudança e passou a existir para além daquele lugar no espaço, era hora uma coisa, hora outra, com o canto dos olhos ela podia ouvir  um cavalo dentro daquele corpo, assim como podia sentir o aroma de um céu almiscarado quase ensurdecedor.
Como ele não estava onde parecia estar ele passava pelas portas destravando cada um dos mecanismos de chumbo como se nunca houvessem sido fechados. Da mesma forma, parecia querer ficar exatamente no lugar que estava. E parte dele ficou, como parte dele foi. Ou talvez as sequência de acontecimentos tenha sido complicada demais, sobre-humana demais para que ela compreendesse ou sequer para que conseguisse contar.
Ela se deitou com ele, que de certa forma encolhia-se, buscando negar sua aparência e ser o seu ser. Ao mesmo tempo que estava em posição fetal, portava-se como um garanhão viril. E corria em direção à pequena floresta que ficava na parte ocidental da propriedade. E ele estava nu e ela a desejava e teria feito de seu corpo e do corpo dele um grande corpo em movimento, não fosse a guardiã sussurrar, em desalentada, o risco de se deitar com ele. Não eram sussurros de palavra e ela se contorceu fugindo, com uma túnica imaculada, buscando-o por inteiro. Para o oeste.
O grande salão do nascer do Sol a aguardava. E era imenso como o tempo, feito de mosaicos de todas as cores do Sol ao longo do dia. E era tarde demais porque o Sol nascia e ele não estava lá. E as mulheres choravam e temiam o pior. Ter se perdido era ainda o menor dos perigos quando repousava em fúria o potencial da destruição dos sentidos de todos os caminhos que colocasse seus pés.
Mas ele viria e nada poderia prepará-la para a volta. Não conseguia compreender aquele ovo-casúlo que mudava de forma a cada piscada, do mais orgânico ao mais inorgânico. Era ovo e era caixa, era caixa e era caixa e era caixa. Era claro, ele repousava, ali, preso. Quase sufocando enquanto tentava com as próprias unhas romper a membrana que o separava da mais externa de suas cascas. Ela correu, mas não podia sair do lugar. Segurava um martelo e queria livrá-lo do sofrimento. Portava uma faca em seu ventre afiada como o vento invernal. Mas era dele o sofrimento e ela jamais se moveria para além de sua mente.
Quando a casca se rompeu, em meio ao sangue, vísceras de criação e água, raiava o primeiro dos raios de Sol do dia. E ele estava novamente deitado, escondendo-se da luz como quem veio ao mundo neste instante. Vestia-se de azul. Um azul fulminante. Voltava à vida de óculos e parecia demasiadamente humano.  E ela desejava seu corpo e não queria partir. Mas já não estava mais lá e sim no horizonte, infinito, em outra de suas inifinicidades.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ensaio sobre o silêncio e outras melodias (a água)



Parece um peixe essa menina, nunca sai da água - dizia minha mãe, ao apontar para mim no mar distante, desafiando seu céu e seu sal. A pequena Bruna era vestida com um maiô verde metálico com estrelas rosas. Jamais me esqueceria daquele maiô, ainda que traga poucas lembranças da infância.
O que ficaria, permanentemente: meu amor pela água.
Água de imersão, água de borbulhas. Água de beber, aquela água de beber da noite mais fria do dia mais frio do ano. A água perfeita. Água de nadar.
E aquela, aquela água: a água de pintar.
Malgrado minha péssima experiência universitária com aquarela, esta água de pintar existia em mim como expressão de todas as águas, desde a primeira infância, quando pintava com água, água com tinta, água com farinha, água sobre papel. Era tudo muito denso, em sua extrema fluidez.
Como as minhas aquarelas. Tivesse eu ousado ouvir o pretenso mestre, teria perdido em mim toda a legítima expressão milenar aquosa. Ninguém que tenha intimidade com a água pode questionar: nada é mais denso que a água.
Claro que a água é mancha. Mas a água também é linha como aqueles pequenos desvios dos rios que correm, escondidos em meio à nossa vegetação verde-escuríssima. Linhas de água que correm. E água também é fio. É fio que nos conduz e reconduz a nós, é o fio da vida, é fio do infinito. Água é o que nos reconduz ao todo: água.
E água, pois ouso (íntima que sou), dizer: água também é densidade e é volume. Água tem o peso da expressão mais íntimas e sensível. Por isso água pesa mais que o óleo (não se deixe enganar com seus livros de ciências). Porque a água, a água é mais verdadeira.
Veja na água a verdade, já que a água não te permite erros, a água ensina a ver (e nossos olhos, são eles pura água!) que não há, então, erros. Há verdade em cada pincelada como há verdade em cada passo que se possa dar na vida. Cada caminho flui para o mar, onde as ondas percorrem nossos corpos, onde as ondas quebram em nosso peito. Onde as ondas são a dureza da água, é sim, água é também dura, duríssima. Não fosse, como estaríamos em pé?

sábado, 22 de setembro de 2012

Feira (I)

Um passo te desloca para frente, mas não só. Para cima a para baixo. Os olhos buscam compensar esta movimentação. Para frente. Para cima, para baixo.


Respiro



Roxos, verdes, brancos, vermelhos de todos os matizes, amarelos brilhantes, amarelos foscos, novos verdes, verdes folha-verdes fruto, marrons e preto-semente. Lisura, grumos, molhado, gomos e gominhos, ásperos, suaves, cremosos, encarnados.

Vejo


Doce-simples, como doce-açúcar. Doce-azedo. Azedo-azedo. Amargo. Cítrico. Doce-banana. Especiais-especiarias.  Azedo-queijo. Azedo-suor. Azedo cor.


Toco

Cabeças e corpos e cabeças e cabeças e corpos e corpos e corpos cabeça. Para frente, para cima, para baixo. para cima, para baixo. Ligam-se em profusão de luzes. Cabeças e mentes e almas e luzes. Ligam-se. Anestesiados, não notam.


Flutuo

Olhos parados, sem compensar. Sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem e sobem e descem. Soslaiam. Há o azul. No ângulo fechado. Há-o-a-zul. Vislumbram respirar e congelam.

Caminho

Despeço-me do momento. Além de mim, só as flautas são azuis. Azuis-bebê. E estão cobertas de pó-luição da cidade sem luz.

Há espada. Hei de luzir-luminar. Há o limiar.

Azul.

sábado, 1 de setembro de 2012

Ensino, produção e reprodução: a Faculdade Paulista de Artes


Alguns temas que você odeia certamente irão lhe perseguir ao longo da vida, assim como algumas lutas que você desiste de travar são as que sempre voltarão. Não estou aqui dizendo que acredito em nada parecido com carma (ou karma, mas acredito em calma) nem nada semelhante, simplesmente que nós tendemos a nos envolver com as mesmas questões ao longo da vida, principalmente quando elas não foram superadas, por nós ou pelo mundo.
Quando me vejo novamente numa briga de foice e martelo, ou numa disputa contra o sistema e paradigmas instituídos que são extremamente prejudiciais à sociedade, noto que não há como fugir, quando você encampa uma causa ela será sua para toda a vida. Ainda que a vida mude e você comece a adicionar novas e novas questões, as antigas permanecem, ainda que com menos força.
E toda essa reflexão surge para contar uma história, uma história que é minha, mas que é a história da educação no Brasil na contemporaneidade. Ouso dizer, um pequeno panorama da educação e porque devemos nos preocupar muito e abrir os olhos.
Eu estudo em uma faculdade particular de características muito particulares, é uma faculdade que tem dono. Claro, todas as faculdades particulares tem donos, mas a minha tem um dono mesmo, não um grupo empresarial ou alguém que nunca vimos, um dono que perambula pela faculdade e vive observando através dos vidros das portas o que estamos fazendo ou falando em sala. Ainda que ele pouco apite, a faculdade é dele, administrada pro sua filha. Estudo licenciatura em Artes Visuais, em uma faculdade que usa como slogan que é a única 100% dedicada às Artes. Nem os dono, nem sua filha, são da área. Além de não serem da área nunca procuraram saber absolutamente nada sobre arte.
Tracemos um paralelo inocente: imagine um padeiro dirigindo uma tecelagem. É mais ou menos isso que você verá: roupas que parece mais pães do que roupas, o sistema de costura transformado em sistema de produção de pães e costureiras sendo demitidas por oferecerem ajuda para o diretor, o padeiro. Supondo, é claro, que o padeiro considere a si mesmo capaz de dirigir a tecelagem e, mais do que isso, imponha suas decisões de forma arbitrária.
E é isso que acontece na Faculdade Paulista de Artes. Minha querida FPA hoje reúne (com exclusividade, veja, com EXCLUSIVIDADE), licenciaturas nas 4 linguagens das artes, a saber: artes visuais, música, dança e teatro.  Parece um sonho aos amantes das artes estar neste lugar. Mas acontece que não é nada do que parece. Formando grande parte dos professores que irão atuar nas escolas de São Paulo e região, a FPA é um espaço opressor, atrasado e de moldes fascistas.
Digo isso com conhecimento de causa, depois de ter passado por mais de sete faculdade e universidades, públicas e particulares, estaduais e federais, isso como estudante, tirando todas as que conheci como militante. Eu nunca vi, em nenhum lugar do Brasil, uma faculdade tão atrasada e que depõe tanto contra si mesma.
Além de estudar na FPA faço Iniciação Científica na USP e componho como outros Arte/Educadores, um grupo de pessoas que busca a organização dos Arte/Educadores de São Paulo, recuperando a história da primeira associação de Arte/Educadores do Brasil, a AESP e construindo a história da Arte/Educação no estado no daqui pra frente. Este assunto é longo, mas certamente em outros momentos vocês ouvirão falar do núcleo PróAAESP, o que quero dizer com isso é que eu trânsito por outros espaços e tenho acesso a discussões sobre a área que nem todos tem, além disso, posso fazer comparações, que são a base da compreensão da realidade a nossa volta.
Com grande esforço temos buscado trazer para a FPA (e também para outras faculdades, algumas delas também em situações horríveis) discussões sobre Arte/Educação, sobre organização política e sobre pesquisa na nossa área, como um evento que havíamos marcado para o dia de hoje. A direção da FPA, quando soube do caráter do evento decidiu arbitrariamente proibir a sua realização, sem dar qualquer motivo ou consultar ninguém, nem a PróAAESP, que estava organizando o evento, nem os estudantes, que estavam sedentos pela discussão sobre pesquisa, já que não temos em nossa faculdade NADA relacionado a pesquisa, mal temos professores que sequer passaram perto de algo parecido com pesquisa (os poucos mestres tem pesquisas vexatórias, sendo salvos algumas de nossas professoras doutoras).
Venho testemunhando inúmeras posturas de caráter opressor dentro da faculdade, só que dessa vez eu cansei de me calar. Porque o silêncio pode ser muito sufocante e decidi gritar. Fui divulgando o ocorrido aos estudantes, que por sua vez foram tomados de uma grande revolta. Porque todos sentem que há algo de errado, mas nem todos notam o que é. E pela primeira vez tive esperanças que poderíamos agir como grupo, como um corpo de estudantes que não quer essa alienação que a faculdade nos impõe.
Em uma conversa de bastidores, a direção da faculdade decidiu mudar o discurso e dizer publicamente que o evento havia sido adiado, não cancelado. A desculpa? Que o tema havia sido colocado em cima da hora e que haveria outro evento no local. Quem já é militante sabe muito bem que isso é manobra, manobra das mais baixas. O problema é que a faculdade não tem cultura de movimento e essa desculpa medíocre poderia passar desapercebida e ser aceita, sem maiores questionamentos. O problema é que eles não contaram com o fato que ali tem gente que pensa. E que o pensamento está se espalhando.
A FPA vem solapando todo e qualquer tipo de discussão que possa ter cunho político, ou levando as discussões para o entretenimento ou para um academicismo vazio. É só ver os convidados que a faculdade traz aos seus eventos e a postura que tem quando qualquer professor se posiciona e leva questionamentos aos estudantes que fazem com que eles percebam as contradições da faculdade. Eles são demitidos.
Enquanto isso temos há anos professores encastelados na faculdade que tem posturas completamente anti-profissionais, abusando, inclusive, de uma postura machista e extremamente opressora, humilhando os estudantes e, principalmente, as estudantes, impondo um estatuto de artes completamente defasado e díspar da realidade, que quase daria inveja à Academia Imperial de Belas Artes, de tão anacrônicos.
Eu defendo a liberdade de pensamento  dentro da Arte, não é mais tempo de impormos determinados moldes nem de sermos obrigados e vestir tal ou qual roupagem para sermos considerados contemporâneos. A arte contemporânea, séria e comprometida com a arte em si, reivindica para si toda a tradição artística clássica, assim como novas experimentações e novas possibilidades. Não é a arte da negação da história, mas aquela que constrói com a história. Mas o que a arte contemporânea não aceita é o pensamento engessado, apolítica e alienante. Assim como a educação contemporânea também não pode aceitar que professores sejam formados sem a dimensão política da profissão.
A educação é práxis, em sua essência é transformadora. Se não é transformadora não é educação, é reprodução de conteúdo, é deformação, é bater palmas para o mundo como ele é, fazendo com que a desigualdade, o preconceito, a opressão, a humilhação e a degeneração social continue para a barbárie. E é este tipo de professor que a Faculdade Paulista de Artes quer formar. Professores que reproduzem o que está dado, que não conseguem pensar por si mesmos, que não tem em sua prática profissional a dimensão política da educação e nem da arte.
Só que nós não estamos mais dispostos a aceitar isso. Enquanto eu estiver na faculdade farei de tudo para levar esta discussão à diante. Em todas as instâncias. E o movimento foi desencadeado, ele não vai parar. Nós não vamos parar. Temos uma tradição a respeitar, a do engajamento político dos Arte/Educadores, responsáveis por mudanças estruturais na educação do país.

É preciso mudar. E é preciso saber para onde caminha. Lembrando do padeiro... se um dia você for um padeiro e ganhar uma tecelagem que tal contratar um especialista na área para gerir a sua tecelagem (isso no caso de você não querer estudar sobre tecelagem). Ou seja, caros dirigentes da FPA, se esta não é a área de vocês, que tal ouvir os profissionais sérios que buscam trazer mudanças positivas para colocar esta faculdade de volta na roda da história, porque vocês, nós, todos somos motivo de chacota nacional. E, mais do que isso, é hora de sair do pedestal e passar a ouvir os estudantes, porque nós somos o pilar desta faculdade e não podemos mais ser ignorados e vistos como seres sem luz que precisam ser iluminados pelas suas ideologias ultrapassadas e alienantes.
Nós estamos cansados. E nós não iremos parar!

*Todas as fotografias deste post são da fotógrafa Tina Modotti, exceto a primeira que é uma cena de um filme no qual ela atuou. Tina foi fotógrafa, atriz, modelo e uma grande revolucionária, tendo sido a primeira mulher a ter destaque nesta área. Tina é um exemplo para todos os estudantes de artes de como a arte não pode perder a sua dimensão política e que não é porque tem uma dimensão política que se afasta da estética, da dimensão do sensível, como podemos notar em suas incríveis fotos.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

PÓEIRA (v. 1)

que se seque
mas que se caia
tempestade
que sufoque as gotas
que se saque
e que se caia
tempestade
seque
saque
o seco
se é que
se cabe
se acabe
sabe
(sic)
sabe sim
sinal
enfim
se não
senão
se não
fim

domingo, 6 de maio de 2012

E eu que não me importo com a Carolina Dieckman

De fato não me importo com Carolina Dieckman, não gosto dela, ainda que eu não tenha o hábito de nutrir nenhum tipo de simpatia por atores globais ou quaisquer outros que vendam a atuação como uma forma de trabalho estéril desprovida de qualquer conteúdo artístico. Não tem jeito, não gosto. Nunca me pergunte qual meu ator preferido. Além de não conseguir pensar um sequer que valeria tal destaque eu ainda teria que confessar que sou péssima para guardar nomes de atores, cantores, bandas, filmes, escritores e todo o resto. Pega mal em uma conversa de intelectuais, mas como quero ver este tipo de intelectualidade debulhando favas, pouco me importo.
O problema é que além de Carolina Dieckman ser uma atriz global, meio sem graça, meio sal, ela ainda sempre é vista metida em escândalos, mantém péssima relação com a mídia e fãs. Eu explodiria a mídia com todos eles dentro, mas a partir do momento que você escolheu viver essa vida, bem essa é a sua realidade. Não cabe um comportamento de bela rebelde.
Problemas que eu tenho com a tal Carol à parte, é claro que quero comentar sobre o vazamento de suas fotos nuas na internet. Fotos que não vi e nem pretendo, porque para ver xuxu amargo sem roupa eu vou à feira. Diz-se que a tal senhora foi chantageada por um alguém que pegou essas fotos por tal ou outro meio ilícito. Não trabalho para a polícia (outra que poderia ser explodida em uma grande bomba) e nem quero saber se isso é verdade ou mentira. Assim como nada me interessa sobre a vida íntima de tal moça.
De tudo que ocorreu neste caso, uma coisa me incomoda. Por que a exibição das fotos de uma mulher nua ainda é motivo de chantagem? Por que alguém que está exposto o tempo inteiro no mundo se vê exposto de forma intolerável quando está nu?
As poéticas do corpo sempre estiveram no centro do meu olhar (e de todos os meus sentidos). O corpo como manifestação máxima da nossa conexão conosco e com a natureza. O corpo como expressão maior de todos os paradoxos (da pureza e da esbórnia, vida e decomposição). O corpo, este belo, belo sempre.
A negação do natural atingiu tal ponto em nossa sociedade que a exposição do corpo é a maior exposição, a mais invasora que há. Conquanto expomos coisas terríveis do nosso ser a todo momento guardamos o que há de mais sagrado e potente. Camadas e camadas de roupas, de dias, de pudores que são reforçados no despudoramento mascarador.
O corpo base de toda experiência e essência humana é negado e renegado em cada um dos nossos atos, na supervalorização de cada uma das segundas-peles que habitamos (o auge do fetiche do não-ser). Nos cobrem no momento que saímos de nossa primeira prisão uterina até a última das prisões da morte. Nem na morte podemos estar corpo-livre.
E cada estrato que colocamos vai sufocando parte da nossa essência e nos colocando, ao mesmo tempo, dentro de nossa cultura que presa por tudo que sufoca e agride, agride até pela sua austeridade ulterior asséptica. Agride-nos tanto que passamos a acreditar que é preciso viver com este tanto de ar - rarefeito - com este tanto de peles - artificiais.
Renegamos a segurança à artificialidade. Como se houvesse, como se houvesse, comos se houvesse algo no mundo que não fosse natural. Mas este natural mascarado e ressignificado que nega a si, o qual tentamos imitar a todo o tempo, tornou a sociedade insana. Insana e doente.
Enquanto toda nudez for castigada, e não pelos outros mais do que por cada um de nós, continuaremos sufocando no mar de plástico e lixo (que são formas da mesma matéria). Com manchetes de Carolinas Dieckmans e chantagistas.
Mas haverá uma saída para o mundo onde toda negação de nudez será castigada, assim como fazem as árvores na cidade tentando de toda maneira desvencilhar-se de suas cadeias-canteiros, do asfalto e das grandes que cobrem suas raízes. E elas os destroem e os contornam, enquanto nós sufocamos, cobrimos, negamos. Castramos.


segunda-feira, 30 de abril de 2012

Road stories e processo de trabalho


Tirando meu primeiro livro nunca publicado, com seis anos, que era sobre um macaco, e uma coisa ou outra que foge a regra, em momentos de êxtase, todo meu trabalho poderia ser enquadrado em "road stories". Essa afirmação pode levar à falsa ideia que tudo que eu escrevo é sobre histórias que se passam na estrada de forma literal, mas não é bem por aí que a coisa se desenrola.
Lembro-me de sonhar, ainda muito pequena, com estradas outonais, daquelas que só existem no hemisfério norte. Árvores plantadas como que formando uma cerca que contorna a estrada tornando qualquer coisa, para além destes caminhos, um mistério eterno, impenetrável. Eram sempre sonhos de paz, de paz e liberdade. Ainda que não houvesse partida ou destino, a estrada mais escura era recanto de um pulsar forte, cardíaco. Este pulsar íntimo e visceral que foi meu estímulo fundamental a escrever.

Duas coisas me fizeram querer escrever sobre isso hoje. Primeira delas é que estou lendo mais uma road storie. É engraçado que elas me atraem mesmo sem eu saber. Compro um livro porque gosto do autor, na maioria das vezes compro livros no escuro. Saber a história me é tão desestimulante que me impede de ler vários clássicos. E este era mais um road book, como o outro que eu tenho no banheiro, um livro de contos, cheio de road stories malucas e fascinantes. Assim como quase qualquer livro que você vá encontrar empilhado em minha estante ou pelo meu quarto-atelier.
O segundo motivo foi que, conversando com um amigo alguns dias atrás, ele também um (grande) artista, disse uma coisa que eu sempre soube mas nunca tinha formulado. Que não existem road movies ruins. Qualquer história fraca, quando se desenrola em volta de uma viagem, já se torna uma história minimamente interessante.
De certa forma: a estrada é o único lugar de (des)conforto que liga a todos nós. Em todas as tradições que já tive notícia as principais histórias se dão em torno de viagens, de buscas, de jornadas. Pensem um pouco e vejam como isso é verdade. Para além da literatura e do cinema contemporâneo, são milhares de anos de road stories.
Difícil pensar sobre isso sem cair em um discurso muito piegas de que as viagens dos filmes e livros e músicas e histórias representam nossa viagem para dentro. Isso é mais que óbvio. Nosso desafio é conseguir, para além deste primeiro olhar, conseguir ver mais do que asfalto, árvores, partida e destino.
Que é uma viagem para dentro, isso já sabemos. Resta saber o quão profundamente você consegue manejar esse barco. E como estão seus sentidos para ver, tocar, experimentar cada sabor, cada buraco. E cair de boca em cada parte deste experimento. Porque a grande viagem, e cada uma das partes da grande viagem é uma grande experiência científica empírica do viver. Porém não se pode ficar só no empirismo, a não ser que você queira fazer um road movie de terror batido. Além de fazer a viagem é necessário olhar para ela, relatar o que foi experiênciado. Relatar e produzir experiência, seja ela literária, visual ou o que quer que seja. Sensibilizar suportes desta experiência, fazê-los pulsar como o coração na estrada.
É possível que ao olhar para uma parte do meu trabalho você não veja uma road storie. É possível que você veja road stories demais. Isso porque a história, a história toda é uma só. Com momentos onde desafiamos as leis de trânsito e outros que nos recolhemos, silenciosamente, a uma parada de beira de estrada, saboreando um rançoso espetinho de frango enquanto olhamos para o nada, vidrados. Enquanto tudo continua correr na estrada. E estamos parados. E continuamos a pulsar estrada em cada uma de nossas respirações.


(não existem livros além do grande livro que poderá ser visto no fim de tudo. não existe um objeto artístico além do que será desvelado com o fim da vida.)




domingo, 29 de abril de 2012

Amanheceres e feriados

Caminhando pelas ruas é fácil perceber que moro num bairro deslocado da realidade paulistana: caminha-se "seguro" na madrugada, as ruas são quase sempre limpas, árvores nos presenteiam com frutas, pássaros nos despertam em seu coro de diferentes vozes. Não entendo nada de pássaros e é notável que grande parte dos dias eles me irritam e me acordam antes do que eu gostaria, assim como hoje. Mas hoje não importa, porque hoje é feriado.
Um vizinho escuta uma rádio que toca incessantemente óperas. Mal me lembro da existência de rádios, não poderia imaginar que haveria tal rádio. E não podemos dizer que ela tenha sido apresentada da melhor forma possível. Não há nada no mundo que deva ser escutado nessa altura, nada mesmo.
Lembro-me dos sabores dos feriados, de muitos deles. Tenho uma terrível memória, mas uma capacidade de recordar minhas lembranças sensoriais incrível, quase impossível de descrever. Meus sentidos se comunicam e causam reações em todo o meu corpo de forma muito mais eficiente do que qualquer questão emotiva ou racional. Somos de uma emotividade doente, eu, você, todos nós.
Amanhecer frio, feriado. Óperas e passarinhos. E rádios, quem diria: rádios! Cada um destes elementos capaz de despertar diferentes memórias sensoriais. Alguns deles trazem consigo camadas e diferentes tipos da tal da memória, como no dia que descobri que ópera era coisa do "populacho", que pessoas com gosto musical refinado não gostavam de ópera. Fico aqui me lembrando disso e pensando quanta discriminação poderia haver em tal fala.
Não tentarei de forma alguma qualificar ou desqualificar a ópera do ponto de vista técnico. Cada vez que tenho que olhar para uma música desta forma fico perdida e, na verdade, acontece mesmo de eu precisar fazê-lo. Mas pensando sobre a fala deste, que era um amigo bem mais velho que eu na época, um senhor da intelectualidade paulistana, parece-me que os admiradores de ópera eram vistos como os funkeiros ou sertanejeiros ou qualquer um desses segmentos.
Vá hoje em dia a uma ópera e veja quantas pessoas do "populacho" estarão presentes. Chuto que nenhuma (por mais que eu mesma - que sou do populacho- não vá a uma ópera há anos). Porque hoje em dia ópera é um universo elitizado. Ou melhor, o pensamento médio acredita que a ópera é coisa "chique".
Esperemos 100 anos (se o mundo não for à forra antes) e grandes salões de orquestra tocarão Mr. Catra com dançarinas seminuas para a futura elite. Porque o que é o popular é que tende a sobreviver. Se hoje nos parece estranho e ruim porque é contemporâneo, em 20 anos será bem mais aprazível. Em 100 será canônico.
Essa é a verdade sobre a música, sobre todas as manifestações artísticas e culturais. Esse é, inclusive, o grande desafio da arte. Mas este desafio, este desafio não foi feito para ser discutido em feriados. Volto ao meu livro. Ficção. Porque feriados são das ficções, dos passarinhos e dos baldes de pipoca.

sábado, 28 de abril de 2012

Para dizer que eu falei das cotas

Opressão é um bicho de sete cabeças mesmo com o qual a gente não sabe lidar, por mais que queira, simplesmente porque, indiferentemente de como você lide com isso, o quanto você lute contra as opressões elas não vão mudar de verdade dentro da estrutura na qual vivemos, então tudo que é assunto sobre opressões acaba por criar um grande problema e discussões acaloradas.
Na verdade houve um tempo que eu estava mais por dentro de como fazer essas discussões, seguia uma boa cartilha para elas. Hoje em dia o que eu digo é um pouco de lembrança dessa cartilha e um pouco de um observar sensível do mundo. E, de verdade, acredito que estamos em um buraco terrível quando o assunto é opressão.
Isso porque todo o discurso que é utilizado a favor das opressões (ou contra quem é contra as opressões) parece tão lógico e tão certo que qualquer coisa que você use para desconstruir este discurso será uma lástima. Porque não aprendemos (ah! a generalização confortável) a relacionar conceitos.
Ficaria até fácil eu dizer que é tudo culpa da educação, porque é. Mas não daria assunto para post dizer isso sem uma tentativa honesta de defender o meu ponto, de porque é necessário aprender a relacionar conceitos urgentemente, correndo o risco de cairmos todos no abismão da barbárie (Marx, querido, é meu jeitinho).
Vamos falar de cotas então. Ok, não é difícil de entender que temos uma dívida histórica com os negros no Brasil (não só no Brasil, mas já que é sobre nossas cotas que estamos falando...) por conta da escravidão. Acho difícil discordarmos disso.
A questão do mito da "democracia racial" também é muito difundida hoje em dia. Não é preciso ser muito genial para perceber que sim, há uma diferença de tratamento com os negros. Não percebe? Sente em um confortável café em um ponto da cidade onde passam muitas pessoas de todos os tipos de formas e cores e observe. Tenho certeza absolutíssima que ao ver um negro passando (se ele estiver "mal vestido", então, nem se fale) as pessoas olham diferente e até desviam. Sei que não estou falando nenhuma novidade. Mas guardem cada ponto para entendermos a questão de relação de conceitos, confiem em mim.
Há tempos que é sabido que não há diferença genética entre diferentes grupos humanos para que eles se configurem como raça, felizmente. Eu, como judia, fico muito feliz que tenhamos clareza disso para evitar qualquer ideia genial de raça pura. Isso não quer dizer que não tenhamos diferentes grupos dentro da população. Chamando de povo, raça, etnia, nas ciências sociais estas classificações encontram conceitos diferentes das que existem na biologia genética, cada ciência com suas categorias, é sempre bom sabermos disso.
Mais dois panoramas até chegarmos ao ápice da discussão. Primeiro é em relação às políticas afirmativas e outras políticas paliativas. São paliativas sim, mas paliativo não é desnecessário, é parte do processo. De um processo de mudança.
Em um passado longínquo, quando cursei serviço social, essa questão era complicadíssima para nós, a ala revolucionária do curso, lidar. Porque assistente social é a profissão mais reacionária que existe, por definição, mas esse é outro assunto. A questão é que quem passa fome não vai esperar que o capitalismo seja derrubado para comer (ainda que tenham certos grupos políticos que acreditam que é necessário que os trabalhadores cheguem ao fundo do poço porque só assim haverá revolução). Seria completamente desumano.
Da mesma forma, para que pensemos a questão do negro de forma mais robusta é necessário que tenhamos em nossas universidades negros pensando essa questão, porque é sempre, sempre diferente quando o próprio ponto da questão pensa sobre si. Precisamos de negros na universidade até mesmo para que, quando em condição de igualdade de acesso ao conhecimentos que outras "raças" (ou etnias, ou grupos sociais ou o que você quiser chamar), eles digam que as cotas não são necessárias.
Em último lugar (antes de relacionarmos tudo isso) temos que olhar para o mundo em que vivemos. É necessário sim, para a manutenção do sistema, que existam pessoas que aceitam receber muito menos do que outras. Essas pessoas são negras, em sua maioria. Negros e mulheres. E as mulheres negras, então, recebem tão menos que um homem branco, na mesma posição de trabalho, que é até vergonhoso.

Agora chegamos ao ponto onde tudo se encontra (também chamado de análise de conjuntura). Negro ganha menos. Certo. Ganha menos porque historicamente foi criada uma condição na qual os negros não tinha acesso à educação (não só educação, habitação, saúde e todas as outras coisinhas necessárias para se viver bem e conseguir desenvolver as suas potencialidades). Por terem se fodido terrivelmente durante a escravidão e ainda muito mais com o fim dela quando foram marginalizados. O que por si só já acaba por gerar um estigma.
Bonito dizer que no Brasil a pobreza não tem cor, mas é só olhar o senso para desmontar facilmente este discurso mas, para além disso, a opressão tem cor e os opressores também. E um país, para se desenvolver, no mundo capitalista, precisava que houvessem esses "seres" à margem. Juntando isso aos hábitos ainda profundamente escravistas que temos (só ver como é relação patroa empregada doméstica), tudo fica muito lindo, muito confortável. Para quem é branco, claro.
A questão da educação é central no Brasil, é, sem dúvidas. Quem é que não sabe que é preciso investir em educação? Mas investir em que educação? Qual o conceito de educação que está colocado para nós?
Não tenhamos ilusões, as escolas públicas, em sua maioria, servem para formar trabalhadores para o comércio, atendentes de telemarketing e operários para as fábricas. Ela não prepara as pessoas para a Universidade porque não há interesse algum que esses estudantes compreendam isso que eu estou lhes dizendo.
Mais ainda, a educação das escolas particulares que prepara "para o vestibular" reforça todo esse discurso de forma muito sistemática. Ah! A meritocracia tão estimada!
O que é ser melhor que alguém, o que é merecer estar em uma universidade e qualidade? Estude para vencer. Seja melhor que seu coleguinha, pois você está disputando com ele. E toda essa retórica que só serve para manter a ideologia dominante. E continuar oprimindo os oprimidos. E tudo com a desculpa que é uma disputa legítima e que os melhores irão vencer. Melhor que o que, eu lhes pergunto, melhores que quem? E nos cursinhos pré-vestibular acham tudo isso engraçado, sábios mestres, os melhores perpetuadores do status quo.

Convivo com professores o tempo todo. Eu mesma sou uma aprendiz de educadora. Vejo que os estudantes de classe média das boas escolas são incapazes de responder perguntas que pedem que sejam relacionados dois conceitos. Quiçá relacionar meia dúzia deles. Análise de conjuntura então, nem pensar. E são esses que serão treinados e vão passar o vestibular (ou estudar em um conceituada universidade particular que quem pode pagar recebe um ótimo diploma). Para dizer que cotas são absurdas, que abalam a estrutura do ensino. Que geram mais discriminação. A discriminação está aí e, agora, será inegável. Mas ela já estava e, nesse sistema em que vivemos, sempre estará. Ao menos deixemos que sejam os negros a terem em suas mãos o poder de discutir isso. De dar aos seus filhos condições de vida melhores. Para que olhem para trás com orgulho e para frente com braços estendidos. Não é o fim da luta. É uma nova ferramenta de luta.


Sopetões e passeatas

O universo é uma grande disputa ideológica. Se não o universo, ao menos o planeta Terra, mas desconfio que esta questão seja universal, ao tempo que, na verdade, tanto faz.
Disputas ideológicas aqui e ali, gastamos nosso tempo com elas. Todos nós, ocupantes de qualquer um dos graus da espiralada consciência política. Discussões no facebook, no twitter, no ponto de ônibus, na mesa do jantar (no sofá do jantar, no caso de minha casa). Gastamos um tempo da porra com isso. Para que, no fim, quase tudo se perca no vazio... tempos fluídos esse, fluídos e cortantes.
Claro que tem momentos que nos preocupamos mais em entrar nestas disputas, outros menos. Não vejo nem o mais nem o menos como bom: o mais nos deixa loucos e o menos é alienante demais. Foi daí que tenho tentado conseguir me manter no mais ou menos. Ou em um "mais", mas um "mais" diluído. Um "mais" paciente. Um "mais" mais tranquilo.
As polêmicas pululam por todas as partes e sempre acabo querendo dizer mais do que cabe em um tweet, em um mural de facebook. E menos do que caberia numa pesquisa acadêmica. Daí que havia esse blog. E eu gosto tanto do nome desse blog. Mas ele estava inútil, esquecido.
Esquecido porque acabei reviravoltando a vida tanto que não me encontrei mais nele. Esquecido, mas guardado com carinho. Não esquecido, guardadinho. De alguma forma na minha cabeça de formação lógica demais e até bolchevique demais, coisas não se misturam: ou escrevia sobre o universo literário, ou escrevia sobre política, ou escrevia sobre as artes visuais, ou escrevia sobre sei lá que caramba que estivesse povoando meus poros em determinado momento. Estantes que não existem. E eu sou toda ressignificações.
E hoje, nesse agora (imaginário, mas quem liga) que sou tantas coisas em uma só, pura multiplicidade, não há porque não juntar tudo e ser a palavrista estética do mundo (salve Beuys), artista da sociedade. E escrever, escrever, escrever.