quarta-feira, 30 de abril de 2014

Como encontrei um deus no cemitério, ou como se meter em roubada por homens

Deitada na cama hoje, com meus 28 anos, minha mente fez uma associação com motivações nebulosas que me levou a um episódio excêntrico da minha adolescência excêntrica. O encontro com um deus do cemitério.
Lá pros meus 15, 16 anos, eu levava a ideia de ser gótica bem a sério, então além de usar pancake branco pra ir pra escola de manhã eu costumava frequentar cemitérios cerca de uma vez por semana. Não é algo que eu me orgulhe em contar até porque cada vez gosto menos de cemitério e nos últimos anos em todas as visitas fui me despedir de alguém importante, então não vejo a menor graça nesse rolê.
Mas voltando à minha história. Tinha um cara e eu queria ficar com ele. Quase tudo na minha vida nos últimos, sei lá, 17 anos, pode se reduzir a esta frase, é só colocar qualquer complemento esdrúxulo que certamente terá acontecido. Como por exemplo: "Tinha um cara e eu queria ficar com ele. Então larguei a faculdade e mudei de estado"; "Tinha um cara e eu queria ficar com ele. Então aceitei um acordo de relacionamento humilhante."; "Tinha um cara e eu queria ficar com ele. Então eu trabalhava pra sustentar os prazeres dele." Sugiram outras combinações que eu confirmo se forem válidas.
Nesse caso, tinha um cara e eu queria ficar com ele. E ele me chamou pra ir no cemitério da Vila Mariana com ele. Ele e mais alguém, não lembro quem era o outro alguém porque, afinal, não queria ficar com o outro alguém.
Então tinha um cara, eu queria ficar com ele e ele me chamou pra ir no cemitério da Vila Mariana passar a noite bebendo vinho, conversando, fumando cigarros de cravo e fazendo qualquer outra coisa que os góticos fazem em cemitérios. Pra quem nunca participou deste tipo de rolê pode parecer bastante mórbido e a verdade é que é mesmo, mas o que não é mórbido na adolescência. Mas então esse cara, com que eu queria ficar e que me levou pro cemitério decidiu que eu era uma pessoa digna de saber o seu verdadeiro segredo: ele era a reencarnação de um deus. 
Não me perguntem que deus que ele achava que era, obviamente que eu não me lembro, assim como não me lembro de praticamente nada do que ele me disse além dele murmurando a história com a voz embargada de perfil enquanto fumava algum cigarro pomposo e fugíamos de baratas. Só sei que esse deus estava numa guerra contra outro deus ou entidade ou sei lá e por isso que ele não era amigo de fulano e ciclano, porque fulano era a reencarnação dessa outra parada aí e por aí vocês imaginam a história como quiserem. Tenho certeza que os RPGistas vão conseguir sentir a ideia melhor. 
Se eu acreditei? Nem por um minuto!
Mesmo sem acreditar eu pensei que se eu ouvisse toda a história e se o tratasse como o tal deus eu ia conseguir pegar o cara, que era o que eu queria. Se ficamos ou não eu não me lembro. Do que eu me lembro desta noite é que tinha um muro absurdamente grande pra pular, eu entrei em pânico em cima do muro, não conseguia descer de jeito nenhum então ele e a outra pessoa me atiraram em cima de um monte de pipoca. É, pipoca, na porta do cemitério, ou seja, em cima de um trabalho para alguma entidade. Mas, sabe como é, quando você tá saindo com um deus não precisa se preocupar com essas coisas. Ah, eu também não sabia voltar pra casa então fiquei vagando até achar um lugar conhecido, mas parece que isso não era o tipo da coisa que me incomodava à época. Nem passear em cemitérios ou fingir acreditar nas mentiras dos homens.



Já cheguei numa idade onde eu (quase) não tenho vergonha de contar essa história. É bom nos lembrarmos de certas coisas para ver o quanto nos submetemos a situações bizarras somente pela chance de estar perto de um homem que despertou nosso interesse. O machismo é uma parada tão louca que as vezes parece até piada, mas não é piada. É piada agora que passou, mas da mesma forma que passei a noite com um deus num cemitério me submeti a situações muito piores por acreditar que o amor verdadeiro precisa que você faça sacrifícios, enfrente desafios, esteja sempre à disposição, entre outras coisas que o patriarcado nos conta. 
Quando você se ver numa situação estranha, falando sobre coisas ou indo a lugares que absolutamente não te interessam ou mesmo tomando rumos na vida e tiver um homem, amor, ou relacionamento envolvido na história pare e pense: eu passaria uma noite no cemitério sozinha falando com um deus? (substitua pela situação em que você se encontra). Se a reposta for não, se você não faria isso por você, sozinha ou pelos seus próprios interesses você está fazendo isso errado. E olha que de fazer isso errado eu entendo como poucas pessoas no mundo.